http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=81817"O foco deve
mudar da documentação dos problemas para o apoio a soluções", diz Mark
Staffird Smith, diretor científico da Comunidade de Pesquisa Científica e
Industrial de Canberra, Austrália, e Vice-Presidente da Conferência "O
Planeta sob Pressão". Artigo* publicado na coluna "Visão Mundial" da
Nature, de 22 de março.
Enquanto o mundo avança rumo à próxima grande
cúpula ambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (Rio+20), no Rio de Janeiro, Brasil, em junho, autoridades e
políticos pedem novas avaliações de nossa situação ecológica global.
Em janeiro, por exemplo, o painel sobre sustentabilidade global
promovido pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
recomendou a elaboração de um "relatório periódico com a visão global do
desenvolvimento sustentável, que reúna as informações e avaliações hoje
dispersas entre as instituições e as analise de forma integrada".
Eis uma resposta à pesquisa que mostra como a sociedade global está
cada vez mais interligada e interdependente. O efeito cascata sobre a
disponibilidade de terras e a segurança alimentar gerado pela mudança
para os biocombustíveis, por exemplo, demonstra como as ações para
combater as emissões de dióxido de carbono podem assumir outros
objetivos.
Mas, nestes tempos difíceis, pode a comunidade científica fortemente
pressionada apoiar novo processo de avaliação? E é isso, realmente, o
que os formuladores de políticas precisam da pesquisa?
Os cientistas já estão ocupados falando em nome dos formuladores de
políticas. Há o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC); a Avaliação Ecossistêmica do Milênio; as avaliações das águas
internacionais, montanhas e água fresca; a Avaliação Marítima Global; e a
nova e importante plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e
Serviços dos Ecossistemas. Cada avaliação desempenha papel crucial na
consolidação dos conhecimentos sobre os sectores específicos. Mas como
ligar os pontos?
Em muitas áreas, as taxas de mudanças ambientais globais se aceleram,
mas os processos decisórios se arrastam com baixa velocidade. Não há
certeza de que outra avaliação convencional irá catalisar uma ação mais
rápida. Assim, embora a comunidade científica deva se apoiar numa
análise integrada, ela precisa ser feita de modo diferente.
Primeiro, o foco deve mudar da documentação dos problemas para o
apoio a soluções. Isso requer interação forte e contínua entre os que
trabalham em pesquisa aplicada estratégica e os que decidem na política,
na indústria e na sociedade civil, adotando tanto decisões específicas
(como o modo de enquadrar um acordo particular de comércio), quanto
decisões de mais amplo contexto (interações entre o bem-estar nacional,
os resultados ambientais e os fluxos econômicos).
Em segundo lugar, o processo deve promover respostas em todas as
escalas, desde os governos nacionais e grupos regionais até as
instituições da ONU. As soluções adequadas diferem de região para
região, sejam elas baseadas em tecnologias específicas para a produção
de energia ou o sequestro de carbono, ou em análises que abordem, em
conjunto, água, energia e alimentos.
Por fim, o processo deve funcionar em todos os setores, através da
análise simultânea, por exemplo, do impacto de uma política de migração
sobre o meio ambiente e o bem-estar social. Para fazer isso de modo
abrangente, a pesquisa deve também tornar-se mais integrada, abarcando
as ciências naturais e sociais e as humanidades, a fim de que se
entendam as implicações das mudanças.
Como isso poderia ser feito? Duas propostas já apresentadas para a
Rio+20 podem ajudar: por meio do Conselho de Desenvolvimento Sustentável
da ONU (UNSDC, na sigla em inglês), diretamente subordinado à
Assembleia Geral da ONU, e por meio de um conjunto de objetivos em
desenvolvimento sustentável (SDGs).
A UNSDC poderia realizar análises estratégica da sustentabilidade
global, bem como estabelecer e coordenar painéis de decisões específicas
- pequenos grupos de trabalho mistos que incluam membros
não-científicos, nomeados para relatar com rapidez questões específicas.
Tais câmaras trabalhariam em todos os setores, de forma independente,
mas pertenceriam ao conjunto de organismos mundiais como a Organização
para a Alimentação e Agricultura da ONU, a Organização Mundial do
Comércio, o Programa da ONU para o Meio Ambiente e o Banco Mundial.
Tal modelo deve ser replicado nos níveis regional e nacional,
impulsionado pelas necessidades locais, com apropriação local. Uma
coordenação lúcida do UNSDC garantiria boa comunicação e intercâmbio de
ideias, e asseguraria que as atividades em uma região não levariam a
resultados globais perversos - levando talvez as pessoas a se mudarem,
distorcendo os preços ou gerando o uso excessivo de recursos.
Os SDGs poderia garantir que essas atividades integrem os três
pilares da sustentabilidade - ambiental, econômica e social -, em vez de
lidar com cada uma isoladamente, como fazem as metas atuais da ONU para
o Desenvolvimento do Milênio. Os SDGs devem ligar os sectores, visando,
por exemplo, melhorar o bem-estar sem danos ao meio ambiente, garantir a
segurança alimentar sem comprometer a subsistência local e desenvolver
ambientes urbanos habitáveis sem aumentar o uso de recursos.
Todas essas obras se baseiam em tendências existentes nas atividades
de órgãos como o IPCC, mas precisamos de uma mudança rápida na evolução
da relação entre a ciência e a tomada de decisões.
Países como a Austrália já falam em "sistemas de inovação nacionais",
que abrange a totalidade de seus esforços de pesquisa pura e aplicada e
as interações destes com a tomada de decisões na indústria e no
governo. É tempo de adotar um sistema de inovação global para apoiar uma
tomada de decisões melhor coordenada e mais ágil sobre a
sustentabilidade global em todas as escalas. Muito trabalho precisa ser
feito com relação aos detalhes. Mas, se a ciência deve ser
verdadeiramente útil à sociedade, é por isso que devemos lutar.
*Tradução de José Monserrat Filho
sexta-feira, 6 de abril de 2012
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